sábado, 29 de outubro de 2011

A ágora da blogosfera mundial

468 participantes de 23 países e 17 Estados brasileiros; dois dias de intensas discussões, ricos debates, instigantes reflexões, trocas de experiências, práticas e visões: é o balanço do 1º Encontro Mundial de Blogueiros (#BlogMundoFoz) que aconteceu em Foz do Iguaçu (Paraná) de quinta-feira, 27, a sábado, 29 de outubro.

A pegada mais forte que esta animada, diversificada e criativa ágora ántropo-digital me deixou foi a sensação de que o universo das mídias sociais - que se reconfigura permanentemente em ritmos vertiginosos, é poliédrico, pluridirecional, multifacetado e marcado pela imprevisibilidade – está muito longe de ter manifestado a maioria de suas (talvez imponderáveis) potencialidades. Mas, sobretudo, o encontro fortaleceu minha íntima convicção de que a interação/hibridação entre sujeitos humanos e tecnologias digitais de comunicação, agentes mestiços em incessante reconfiguração mútua, pode – ao contrário do que alguns pensam – ser um fator promotor de mudanças em direção a uma sociedade – e incluo nesta expressão não apenas os humanos, mas todos os não-humanos, vivos e não-vivos que participam de sua redefinição permanente – mais aberta, mas participativa, mais horizontal, mais diversa, mais polifônica, quiçá mais feliz.

Pensadores como Ignacio Ramonet e Pascual Serrano mostraram que, como tudo o que é do domínio da matéria e da vida, no ciberespaço tendências opostas convivem, se entrelaçam, se alimentam mutuamente e, ao invés de se excluírem, se complementam. Quanto mais nos comunicamos; quanto mais compartilhamos ideias, emoções, experiências; quanto mais nos mobilizamos e articulamos em rede; quanto mais nos conectamos uns aos outros mais enriquecemos grandes conglomerados empresariais cujos lucros se alimentam de nossa vontade de estar juntos e de participar da vida comum. Quanto mais democratizamos o acesso à informação quebrando o papel tradicional de emissor e receptor, mais somos vigiados, controlados, censurados, invadidos em nossa privacidade por empresas, profissionais de marketing e governos. Quanto mais nos aproximamos, mais nos afastamos. Quanto mais informação independente fazemos circular, mais aumentamos o ruído informativo. Quantas mais pessoas saem às ruas de forma espontânea, horizontal e auto-organizada criando novas sociabilidades, mais vazia – às vezes – é a cabeça dessas pessoas de conteúdos significativos com um real potencial transformador. Quantas mais pessoas se reúnem para partilhar suas experiências em mídias sociais, mais aumenta a censura de empresas que lucram com tais partilhas, como aconteceu no próprio encontro de Foz do Iguaçu cuja hashtag #BlogMundoFoz foi deliberadamente excluída dos trendtopics brasileiros (a lista dos assuntos mais comentados) pelo Twitter.

Mas, como seres complexos e contraditórios que somos, não devemos nos admirar nem muito menos nos assustar com isso: o real não é coerente, homogêneo e unívoco; não o é o mundo da matéria; não o é o mundo vivo; não o é o domínio do humano. Porquê, então, o seriam o universo das mídias digitais e as hibridações que tecemos com elas? Assumirmos a contradição, a multiversidade das tecnologias digitais de comunicação é o primeiro passo rumo a formas de interação com elas - e de interação entre nós mediada por elas – capazes de traçar caminhos de emancipação geo-bio-antropológica.

Experiências como as da Primavera Árabe, dos movimentos de #indignados que estão promovendo nos cinco continentes acampamentos auto-organizados, articulados pelas redes sociais e com o único propósito de dizer aos poderes constituídos e ao resto da sociedade que algo está errado no modelo de desenvolvimento que adotamos, experiências que foram quase todas representadas e compartilhadas no #BlogMundoFoz, nos mostram que é possível construir pelas, nas e com as mídias digitais práticas sociais, relações interpessoais e – acrescento eu – também interações homem-ambiente baseadas em pressupostos emancipatórios: reciprocidade; escuta sensível do outro; partilha; generosidade; desinteresse; horizontalidade; participação direta; diálogo entre saberes.

Debates como o sobre as legislações sobre comunicação e sobre mídias digitais em diferentes países fizeram emergir com clareza a consciência da blogosfera de que os Estados e as sociedades das quais são parte, de mãos dadas, precisam promover e implementar marcos regulatórios abertos, plurais e flexíveis, mas pautados em princípios claros como transparência, democracia participativa e ausência de censura, que favoreçam o despertar e a expressão das múltiplas potencialidades das mídias sociais.

O encontro, que se concluiu com a aprovação da Carta de Foz do Iguaçu que sintetiza os princípios e reivindicações que pautaram as discussões, foi para mim, acima de tudo, um sinal. O sinal de que milhões de pessoas, em cada rincão da nossa grande casa comum, hibridando-se com tecnologias digitais de comunicação estão construindo novas formas de comunicar, de ser, de participar da vida coletiva, de viver. Essas pessoas estão se unindo, trocando experiências, se articulando, criando novos espaços digitais e sociais, prospectando novas possibilidades de sociedade, de homem e de natureza. Até onde este movimento irá, não dá para saber. O que sei é que está em caminho e que será difícil detê-lo.

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