segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ciberecologia: podemos repensar nossa relação com o planeta numa perspectiva digital?

Conceitos como cibersociedade, cibercultura e ciberdemocracia se tornaram corriqueiros, pelo menos no pensamento acadêmico e no mundo digital. Ainda não ouvi falar, porém, em ciberecologia. Em um curso de pós-graduação lato sensu sobre mídias sociais que idealizei e coordeno em uma instituição de ensino superior de Natal, criei uma disciplina com esse nome lançando um desafio que uma amiga, a pesquisadora Ana Cecília Aragão, aceitou encarar: conceituarmos uma nova visão da relação – que, a meu ver, é só pode ser concebida como hibridação - entre sujeitos humanos e ambientes naturais não-urbanos, entre saberes não-científicos e artefatos tecnocientíficos e entre tecnologias digitais de comunicação e estilos de vida não-urbanos e não-tecnológicos. Antes de continuar, faço questão de ressaltar que não concebo de forma alguma os sujeitos humanos, as ambientes urbanos e não-urbanos, os estilos de vida tecnológicos e não-tecnológicos e as demais ideias citadas como entidades “puras”, estanques e rigidamente separadas, mas simples ferramentas conceituais para identificar meras tendências, posto que em minha percepção aparecem como teias complexas de fatores simbólico-materiais mutuamente imbricados e em permanente reconfiguração, o que impede qualquer cristalização, até mesmo do suposto domínio do “humano” (muito menos, portanto, do “urbano” e o “não-urbano”, o “tecnológico” e o “não-tecnológico”, o “científico” e o “não-científico”, impregnados uns nos outros).

Voltando ao desafio que pus, minha intenção é sugerir uma ruptura da dicotomia conceitual entre o “natural” e o “digital”, partindo da suposição de que este último não seja mais do que uma manifestação, uma emergência ou uma possível configuração (temporária e instável, como tudo o mais que existe) de possibilidades inscritas no real e, portanto, seja uma dimensão tão “natural” quanto qualquer outra esfera da nossa experiência. Sendo assim, ao pensarmos na relação entre sujeitos humanos e ambientes naturais não-urbanos em uma perspectiva digital evitaremos cair na fácil e um tanto cômoda oposição binária “tecnologia versus natureza” – posto que a tecnologia é natureza, é parte de seu incessante devir autorecriador – e poderemos enveredar para novas possibilidades, novas percepções, novos rumos de pensamento e de ação.

O termo ciberecologia – como cibersociedade e cibercultura – é, na verdade, redundante: as tecnologias digitais de comunicação, o ciberespaço participam naturalmente, inevitavelmente da ecologia de inter-retroações que redefine constantemente o mundo que habitamos e simultaneamente (re)construímos. Mas é, a meu ver, um instigante operador de pensamento. De diversas formas - através de dispositivos móveis cada vez mais acessíveis, centros informáticos implantados por organizações-não-governamentais ou instituições públicas, etc. - mídias digitais estão chegando a comunidades não-urbanas, muitas das quais às vezes não dominam o “alfabeto” da sociedade urbana ocidentalocêntrica (entendendo com essa expressão um conjunto de tendências cognitivas, formas de relação entre as pessoas e entre os humanos e os não-humanos e de organização socio-político-econômico-cultural que cristalizou os aspectos do pensamento e da ação humana fundamentados na lógica identitário-dedutiva de matriz aristotélica e na separação cartesiana entre sujeito e objeto, assumindo-os como as únicas formas legítima de conhecer e interagir com o mundo), mas são detentores de outros saberes, outras maneiras de perceber o real e organizar a experiência igualmente legítimas (embora a ciência clássica não lhes reconheça esse status cognitivo). Ao chegar nas matas, nos mangues, nas caatingas, nas florestas alagadas e ao hibridar-se com formas de ver e de interagir com o mundo diferentes das de onde emergiram – e que contribuiu para definir suas sintaxes operatórias – tais mídias (que são elas próprias híbridos material-simbólicos, teias de relações das quais participam as mais diversas temporalidades, interesses, desejos, anseios, fantasmas, ideologias, percepções do real, etc.) poderão deixar de ser operadas a partir de roteiros pré-definidos e, na interação de suas potencialidades e recursos com novas visões de mundo e novas maneiras de se relacionar com os humanos e os não-humanos, poderão gerar configurações geo-antropo-tecnológicas totalmente imprevisíveis.

O desafio que ponho é: e se, ao invés de pretendermos que todos acessem as tecnologias digitais de comunicação da mesma forma em nome do mito da “inclusão digital” (que é mais uma forma, embora talvez bem-intencionada, de reduzir todos os possíveis olhares sobre o mundo ao dominante), procurássemos olhar para outras maneiras de interagir com o planeta e tornássemos as mídias digitais parte dessas diferentes hibridações possíveis?

Quem disse que as mídias digitais induzam necessariamente à aceleração da existência e ao afastamento do mundo que percebemos como “natural” (mas só se não conseguirmos enxergar a natureza em nós mesmos e nos nossos artefatos, aqui e agora)? E se elas, hibridando-se com outros saberes e estilos de vida, pudessem contribuir para a desaceleração do que consideramos importante; para a valorização e preservação das demais espécies; para o decrescimento e uma nova cultura da sobriedade, do consumo consciente, da simplicidade voluntária; enfim, para uma reaproximação do homem ao planeta do qual é parte (e do qual nunca esteve separado, se não em sua mente)? É esse o desafio ético, político e epistemológico que pretendo enfrentar ao refletir e tentar conceituar uma perspectiva ecológica das mídias digitais, ou uma perspectiva digital da relação entre homem e natureza não-humana. Alguém para trilhar esse caminho junto?

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