quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Um galho na correnteza

Um dique se estraçalhou em suas entranhas. Uma correnteza brutal a invadiu, permeando cada interstício de sua pele. Seu estrondo a inebriava e, ao mesmo tempo, a assustava. Se sentiu um tronco à deriva com apenas um galho tenuemente preso a uma rocha, resistindo em vã à correnteza que jogava selvagemente suas águas ao abismo de uma catarata. Os lábios de Luciana se aproximavam, lânguidos, acolhedores, e um calafrio de vontade e de medo percorreu sua coluna. Suas profundezas umedeceram-se. O galho quebrou-se. Deixou que os lábios de Luciana acariciassem os seus, envolvendo-os aos poucos num abraço cálido, e libertou as correntes de sua língua que se jogou numa dança frenética, um esconde-esconde molhado entre grutas cujos rincões mais remotos iam sendo, vagarosamente, desbravados. Beijava uma mulher pela primeira vez em sua vida, e não sentia culpa. Lentamente, na dança das línguas e nas viagens inicialmente tímidas, e aos poucos cada vez mais sedentas de suas mãos pela geografia insinuante do corpo da amiga, o medo diluiu-se até dissipar-se no vórtice daquele encontro de peles inquietas. O silêncio, riscado apenas pelo uivar do vento, filtrava a respiração entrecortada e os leves gemidos que, pelas brechas da tenda, perdiam-se no céu noturno daquele rincão de Patagônia austral.

Trecho de um conto em gestação que aprofunda o passado da protagonista feminina de O RASCANTE SUSSURRO DA NOITE, que está sendo publicado por partes neste blog:

1ª Parte: http://ocondorerrante.blogspot.com.br/2014/02/o-rascante-sussurro-da-noite-1-parte_20.html
2ª Parte: http://ocondorerrante.blogspot.com.br/2014/02/o-rascante-sussurro-da-noite-2-parte.html
3ª Parte: http://ocondorerrante.blogspot.com.br/2014/02/o-rascante-sussurro-da-noite-3-parte.html

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