Foto: Canindê Soares
Há um momento do ano em que
acordamos de rosto vazio, um vazio deslumbrante, grávido de contingência, abrimos
o armário e escolhemos a máscara daquele dia, a fantasia daquele bloco, uma
fantasia que talvez usemos nos dias seguintes, que talvez grude em nosso corpo até
tornar-se nossa carne, ou que amanhã descartaremos para escolher uma nova, mais
adequada ao novo bloco onde pularemos, ou que redesenharemos, remoldaremos ao
sabor da euforia, da necessidade, do compasso da rua, da batida da multidão.
Neste momento somos a rua, somos a dança, somos nossos próprios passos e a
máscara fugaz que vestimos.
Todos os anos, este momento
dura cerca de onze meses e três semanas. Todos os anos, este momento é rasgado
por um lábil intervalo no qual, para aqueles que decidem continuar no baile ao
invés de descansar, as máscaras e fantasias brotam não mais do fundo do
armário, mas de uma região indistinta que flutua entre suas entranhas e o suor
da massa dançante. Neste intervalo, às vezes, o vazio contingente consegue até soltar
feixes de uma estanha felicidade.
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